Do você parle Deutsch?
Com o advento de uma nova geração de tradutores automáticos, sempre mais eficientes e aperfeiçoados, estamos chegando ao tempo em que não haverá mais no mundo nenhum monoglota
Por Jack London*O renomado filósofo e ensaísta Leandro Konder recebe
um e-mail de um amigo, convidando-o a fazer
parte da sua linhagem de seguidores no Facebook.
Incomodado com a qualidade do português utilizado
na mensagem, Leandro reclama ao amigo, que
rapidamente se desculpa alegando não ter mandado
o tal e-mail. O texto, no entanto foi enviado
automaticamente pelo Facebook, em nome do novato
na rede social, e lá estava a expressão abstrusa e
mal-amada: “acrescentar-lhe”.
Essa introdução, cuja história é absolutamente
verdadeira e aconteceu há poucos dias, serve apenas para entrarmos de viés
no tema desta conversa: o mundo pós Babel. Não satisfeita em alterar modos
futuro breve, a unificação absoluta do mundo da linguagem e da expressão
humana, sem no entanto liquidar nenhum idioma, ao contrário, liquidando
especialmente a dominação das línguas francas que ao longo do tempo
são as línguas mais poderosas, as eventualmente dominantes.
No decorrer da história, humanos que não tiveram o domínio do grego,
do latim, do francês ou do inglês eram (ou ainda são) apenas parcialmente
capazes de viver com plenitude.
Com o advento de uma nova geração de tradutores automáticos,
sempre mais eficientes e aperfeiçoados, e com a possibilidade de em
breve termos esses softwares como parte integrante de nossos
sistemas operacionais em PCs, tablets, celulares e similares,
estamos chegando ao tempo em que não haverá mais no mundo
nenhum monoglota, pois falaremos ou digitaremos um texto em
português e do outro lado da linha estaremos sendo traduzidos
automaticamente em mandarim ou farsi.
Sentadinhos em nossas cadeiras de praia, em qualquer parte
de nosso farto litoral, estaremos ouvindo, vendo ou lendo
mensagens, textos, vídeos, filmes originalmente postados em
albanês ou sânscrito. Um mundo de monoglotas poliglotas.
Esse é o fim da tal maldição de Babel, acima mencionada.
Todos falando e compreendendo todas as línguas e falares deste
vasto planeta.
Se você acha que já estamos vivendo em outro mundo, em que
você se delicia com seus 345 seguidores no Orkut, todos
luso-parlantes, imagine estar em rede com centenas de milhares
de seguidores mongóis, afegãos e islandeses, todos falando
nossa velha língua pátria. Imagine no campo dos negócios e da
integração de práticas comerciais qual será o impacto dessa boa
nova.
Certamente haverá sempre o que corrigir nas traduções on-line,
não será nada fácil, por exemplo, ler Guimarães Rosa em búlgaro
internético. Não estamos, no entanto, falando de sutilezas, mas
sim do final de mais uma gigantesca barreira entre os homens:
falar e ser compreendido, sem restrições, em todas as latitudes.
Depois das barreiras geográficas, das barreiras de informação,
vem aí a derrubada das barreiras linguísticas, meta jamais
imaginada até ontem pela manhã. A promessa é de que
em mais cinco anos cerca de 120 línguas estarão incluídas
nos auto-tradutores que diversas empresas já apresentam ao mercado.
Após “acrescentar-lhes” este aflito texto, arauto da poliglotomia
(palavrinha complicada que acabo de inventar), faço uma súplica
aos gestores do Facebook.
Konder tem razão, tirem aquele “acrescentar-lhe” de lá, que
mais não seja em homenagem aos nossos delicados e
preciosos ouvidos.
* Jack London fundou a Booknet, primeiro
negócio virtual que ganhou fama no Brasil,
e a Tix, empresa de comercialização de
ingressos online. Agora, investe no cinema
digital com a Multicine
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